Este Blog não adere ao Novo Acordo Ortográfico

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sábado, 19 de dezembro de 2009

Compromisso

Pode ser um grande chavão, mas continuo a acreditar que "... esta Terra foi-nos emprestada pelos nossos filhos..." e, como tal, nós é que somos os RESPONSÁVEIS por ela. Em cada gesto que fazemos, em cada pequeno exemplo que damos.



O "Acordo de Copenhague" é um saco vazio de nada... Os "nossos representantes" não se entenderam. Pois que cada um de nós seja o signatário de um compromisso universal virtual: não poluir, não gastar desnecessariamente, fechar as torneiras e as luzes, separar o lixo; a lista é longa e mais do que divulgada. Só temos que segui-la. Deixemos as manifestações mediáticas para as organizações mais vocacionadas. Assumamos que se quisermos, nós conseguimos o que os nossos governantes vergonhosamente não conseguiram (ou não quiseram...).

Quem assina?

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

sábado, 12 de dezembro de 2009

Longevidade

Já não a conheci. Nem retive o seu nome. Era, salvo erro, tia da Avó-Má. A minha Mãe, que  ainda a conheceu, descrevia-a como uma doce velhinha de cabelos todos brancos, um pouco curvada, mas muito lúcida.



A sua história era muito contada no seio da nossa família. Também não consegui saber se era tia materna ou paterna. Sei que quando amadrinhou a minha tia Branca (a mais velha), a sua idade já era avançada.

Era muitas vezes lembrada pela sua longevidade e, principalmente, por ter fintado três vezes a morte. Doente cardíaca, três vezes foi dada como morta e três vezes recuperou.

Na segunda, já estava no caixão a ser velada; levantou-se a pedir gelado, ao ouvir-se na rua o pregão de um vendedor  ambulante chinês que apregoava “Ice cream!”. Imaginem o pandemónio que não deve ter sido…

Pois, depois da terceira vez, cegou, foi operada com êxito às cataratas recuperou a vista e ainda viveu o suficiente para conhecer e embalar a minha prima Conceição (“Connie” de nome artístico e de quem já falei), primeira filha da sua afilhada.

Pequena história de longevidade, no dia em que Manoel de Oliveira cumpre o 101º. ano da sua existência.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Uma Família de Músicos

A minha Avó Materna gostava de cantar e, pelos vistos, fazia-o bem. Meu pai biológico era músico profissional. O marido da minha Tia Branca também. Aliás, a filha mais velha de ambos teve uma carreira de solista com algum êxito, cantando nas mais frequentadas salas com as mais populares orquestras da região (ver recorte de jornal).

Nos anos 60, primos meus tiveram os seus conjuntos, com o meu Primo Nado a alcançar alguma notoriedade quando venceu dois festivais de música moderna em Macau em anos consecutivos.

Nos finais dos anos 60 e inícios de 70 ainda integrei, como vocalista, o conjunto Os Fluviais, da Moita do Norte.

As minhas filhas são melómanas, a mais velha até demonstrou alguma aptidão para instrumentista (flauta de bisel).

Curiosamente, na casa dos meus Avós, um imponente piano de cauda, não inspirou ninguém na sua utilização. Quando o conheci, servia para tudo, desde sentarem ou comerem em cima, dormir a sesta (muito disputado pela sua frescura…), até mudar as fraldas às criancinhas. No seu interior, era possível encontrar objectos dos mais díspares, tais como escovas e ganchos de cabelo, moedas, brincos e brinquedos, bocados de pão bolorento…

Mas eram muito famosos os bailes na casa dos Amarante, no imponente salão sustentado por duas colunas. Nessas alturas, havia sempre quem soubesse dar uso a tão nobre instrumento. Dum lado, uma mesa posta a preceito com as bebidas e as comidas, retemperava as forças dos dançarinos, que do outro, deslizavam num chão prateado de pó de ostras ao som das músicas da época.
Nota: Na fotografia, atrás dos meus Avós, pode-se ver o "célebre" piano de cauda...

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Lendas de Macau I

Contava Avó-Má e a minha Mãe também, com algumas variações , uma curiosa história associada à Fortaleza (ou Forte) da Barra que se situa no extremo da Península de Macau.
Terminada no primeiro quartel do século XVII, defendeu com êxito a cidade dos ataques dos holandeses.
Em 1740 foi erigida uma capela dedicada a S. Tiago, Padroeiro do Exército.
Diz a lenda que a estátua do santo patrulhava o forte de noite, pelo que de manhã as botas estavam enlameadas, havendo um soldado destacado para as limpar. Diz-se que certa vez, este, esqueceu-se das suas obrigações e apanhou com a espada do Santo na cabeça. Como acontece muitas vezes, para não ficarem atrás, outras estátuas de outras capelas em recintos militares resolveram também dar a sua passeata nocturna. A minha Mãe contava que a estátua de S. Francisco Xavier, da Capela votiva no Quartel de Mon-Há, onde meu Pai prestava serviço, além das patrulhas nocturnas, tinha também direito a pré (como qualquer soldado) para as despesas da graxa às botas…
Após as tentativas de invasão holandesas, nunca mais soaram os canhões da Fortaleza da Barra, que a pouco e pouco foi-se degradando e entrando em ruína. Durante a Segunda Guerra Mundial, os canhões prestaram o seu último serviço: foram vendidos para adquirir arroz para alimentar os refugiados que vinham de Hong Kong e da China.
Hoje, as ruínas foram transformadas em Pousada e a Capela reconstruída. Só espero que S. Tiago não se lembre de deambular de noite pelos corredores ou não haverá clientes que aguentem o susto.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A Escola Infantil


Tinha quatro anos quando meus Pais entenderam que já era altura de me fazer à vida... deixar a protecção das saias maternais e iniciar a minha carreira académica.
Numa bela manhã (bem me lembro eu...) de Outubro, depois de bem lavadinho, penteadinho e de bibinho branco, onde à frente pontificava um monograma bordado a ponto cruz com as letras E e I (de "Escola Infantil"), começou a grande odisseia.
Se algo me lembro, foi a choradeira que fiz quando lá cheguei, acompanhado de minha Mãe. Não que algo me apoquentasse ou não quisesse lá estar. Há muito que esse problema estava resolvido. Só que, ao chegar à sala que me estava destinada, vi tantas caras de choro, que, daí até abrir a fonte das lágrimas foi um ápice.
A Educadora, conhecida de minha Mãe, lembrou-se que uma prima minha, mais velha um ano, estava numa sala ao lado, sugeriu que nesse dia eu passasse para lá, sempre havia alguém conhecido. Foi remédio santo. Logo que vi a minha prima Luzia, passou o pranto. Nem dei pela minha Mãe ter ido embora.
Até aos sete anos feitos frequentei a Escola Infantil, que tinha o nome de João de Deus. Podia ter transitado aos seis, mas consideraram-me muito imaturo para a primária, pelo que fiquei a amadurar mais um ano.
Foram anos de aprendizagem iguais a tantos outros jardim-escolas: jogos, trabalhos manuais, brincadeiras no recreio (enorme!), as calças rasgadas no escorrega, os trambolhões do baloiço, a Cartilha...
Eu ia sozinho, porque era só seguir o passeio. A única rua a atravessar era frente à Escola e aí um funcionário ajudava os alunos a passar. No entanto, à saída e à chegada tinha sempre a minha Mãe à porta à espera.
Tudo isso contribuiu para criar a minha autonomia e florescer a minha auto-estima. Em casa, o meu Pai sempre me incentivou a desenvolver as minhas potencialidades.
No ano lectivo de 55/56 fui finalista, com boas informações e considerado apto a frequentar a escola primária, a Escola Central como era conhecida.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Amizade

Hoje deu-me para isto. Acordei, como acontece com muita gente, com a melodia na cabeça. E quando assim é, já se sabe, andamos a trautear a dita até à exaustão. Trata-se do tema "L'Amitié" de Herbert Pagani. Fala da Amizade, no seu sentido mais puro e a melodia é simplesmente inspirada.
Ao partilhar convosco um pequeno vídeo que fiz sob este tema, quero igualmente contar um pequeno episódio ilustrativo. E, sendo um homem do Desporto, mal seria se não trouxesse à baila algo relacionado:
Nos famigerados Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, dois atletas japoneses disputavam as medalhas de prata e bronze, depois de um longo dia que se prolongou pela noite dentro, sem que um se superiorizasse ao outro. Para resolverem a questão, após uma reunião entre os dois, decidiram aleatoriamente que um ficaria com a medalha de prata e o outro, com a de bronze. De regresso ao Japão, dirigiram-se a um joalheiro e pediram-lhe que cortasse as medalhas ao meio e voltasse a fundir, ficando cada uma com metade da outra. Essas medalhas passaram a ser conhecidas como "As Medalhas da Amizade".

Ficai com L'Amitié e Herbert Pagani


terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os meus Avós Maternos II


O meu Avô era um Português originário de Vila Nova de Gaia, lá das bandas de Baião. Filho de pai incógnito, dizia-se que a sua mãe engravidara do filho dos donos da casa senhorial ou quinta onde trabalhava como empregada doméstica. Frequentou pouco a escola. Meu Avô falava pouco desse tempo. Dizia que para ir à escola tinha de andar a pé muitos quilómetros, pelo que desistiu de estudar muito cedo e até casar era praticamente analfabeto. Dizia que, para ganhar algum dinheiro, vendia jornais, o Século. Era ateu convicto. Da Igreja contava que dava ao fole no órgão durante as missas e que quando se cansava e adormecia, o padre organista dava-lhe pontapés debaixo do órgão para o acordar. Para compor o ramalhete era Republicano dos quatro costados. Nunca aprendeu Chinês (Cantonense) apesar de ter vivido quase toda a vida em Macau, salvo umas quantas palavras desgarradas (mormente piropos às jovens chinezinhas...) que usava amiúde.
Como muitos portugueses de então, foi para Macau na tropa, e finda a comissão de serviço, resolveu ficar por lá.
Quando se casou, era um homem alto, bem parecido, espadaúdo, e ostentava um bigode impressionante.
A certa altura da sua vida, ingressou na carreira de bombeiro municipal, onde singrou a pulso até ao posto de Chefe. Entretanto, aprendera a ler (apenas letra de imprensa, o que lhe permitia ler jornais) e assinar o seu nome, ensinado pela minha Avó. O casamento dera frutos. Quatro rapazes e quatro raparigas foram baptizadas pela ordem de nascimento: Branca, César, Vasco, Henriqueta, Tito (falecido ainda jovem, não cheguei a conhecê-lo), Gisela, Hugo e Nídia.
Como Bombeiro destacara-se na sua função, tendo sido várias vezes condecorado e louvado. A vida da Família corria dentro da normalidade, com algum desafogo que permitia ter um cozinheiro e duas empregadas domésticas.
Reformou-se ainda relativamente novo, após ter cumprido o seu tempo de trabalho. Quando se preparava para gozar de um tempo de merecido descanso, rebentou a Segunda Guerra Mundial. A vida muda. As dificuldades surgem. Tudo o que tinham em casa começa a desaparecer. As baixelas de loiça, os faqueiros de prata, prendas de casamento, rapidamente escorreram para um qualquer prestamista, a troco de alguns patacos. A mansão onde habitavam teve, a certa altura, de receber hóspedes para ajudar a reforçar o orçamento familiar. Meu Avô teve de voltar a trabalhar, como trabalhador braçal, a troco de comida. Mesmo assim, a minha Mãe falava muito da fome e das dificuldades que passaram nesse período.
Do que me lembro dele, Avô-pá era um Avô à moda antiga. Ar severo exteriormente, muito cioso da sua escrivaninha e do seu cadeirão de descanso tecido em verga, que um dos filhos tinha sempre o cuidado de substituir quando se estragava. A sua grande alegria era nas festas ver-se rodeado dos filhos, genros, noras e netos (e eram muitos...). Era o exemplo do Português do antigamente que desenraizado, mantém, mesmo assim, os mesmos costumes, as mesmas lembranças. Nunca mais voltou a Portugal. De dois em dois anos tinha possibilidade de visitar o País de origem, mas com tantos filhos pequenos, não era viável e depois, já era tarde.
Gabava-se de nunca ter tomado banho com água quente, a não ser quando nasceu e uma vez, quando foi hospitalizado... De Verão era de chuveiro, no Inverno era da água do poço que carregava do quintal até ao primeiro andar...
Na parte da frente da casa tinha um jardim que tratava com desvelo. Além de uma nespereira (a única que estávamos autorizados a subir...), tinha cameleiras, damas da noite, cravos brancos, madressilvas e... alecrim, com que a Avó-má fazia garrafas de álcool canforado que distribuía pelos filhos, mezinha para quase tudo.
Dos lados e traseiras, era o pomar com capoeiras e coelheiras ao fundo, se é que se podia chamar assim, já que o solo, irregular e pedregoso, fora quase todo conquistado à custa dos braços do meu Avô e produzia muito pouco.
Plantara umas goiabeiras e umas caramboleiras que forneciam as mais doces carambolas que me lembro de alguma vez ter comido, e uma árvore de São José (?), cujas folhas eram muito apreciadas pelos coelhos e de cuja seiva fazíamos uma espécie de cola para apanhar libelinhas e uns quantos pés de videira que nunca deram nada de jeito, mas juntamente com uma figueira um tanto raquítica, ajudavam a matar as saudades da terra natal,
No dia 5 de Outubro de cada ano, era vê-lo içar com todo o orgulho a Bandeira Nacional, como republicano convicto que se considerava. Aliás, havia um quid pro quo na casa dos meus Avós que nunca vi resolvido: a minha Avó, religiosa que era, tinha um quadro representativo da Última Ceia na sala de jantar, virada para o qual rezava sempre antes e após as refeições. O meu Avô, para não ficar atrás, colocou por baixo uma moldura com uma gravura muito popular na época, que mostrava os heróis do 5 de Outubro de 1910 rodeando uma figura feminina, com um seio nu, a conduzir uma turba revolucionária... Quando estava para aí virado, era ouvir o meu Avô a "picar" a minha Avó: "Olhem para ela, a rezar à República!". Invariavelmente a resposta era sempre a mesma: "Que sacrilégio João! Quando morreres vais para o inferno!" (o meu Avô chamava-se Simão, mas a minha Avó não gostava e até ao fim das suas vidas chamou-lhe sempre João...). Mas apesar destas picardias, era o que se podia chamar um casal unido, com mais ou menos facadinhas do meu avô, à boa maneira portuguesa antiga.

domingo, 22 de novembro de 2009

Tufão


Entre Maio e Setembro, ocorre em Macau a época dos tufões. Quando era miúdo, com a inconsciência da idade, a aproximação de uma tempestade tropical era motivo de grande agitação e alteração da rotina. Não se ia à escola. Em situações mais graves, juntávamos todos na casa dos meus avós maternos.
Naquela altura, da casa dos meus avós podíamos ver  o cimo da Colina da Guia, onde eram hasteados em mastros apropriados, sinais indicadores do que se aproximava numa escala de cinco níveis: 1, 3, 8, 9 e 10.
Como tinham muitos netos, não raro juntava uma dezena e meia de cachopos que transformavam a mansão numa espécie de jardim de infância, com grande satisfação dos meus Avós. Dormíamos em camas improvisadas. Comíamos refeições tipo tropa: arroz com feijoada ou rancho, que não era fácil alimentar aquelas bocas todas.
Havia sempre grandes manifestações quando acontecia uma mudança de sinal. Quando o nível de alerta subia para oito, o meu Avô pregava as janelas com tábuas para evitar que voassem com a fúria dos elementos.
Os mais velhos entretinham os mais novos, contando as desgraças de outros tempos. Não havia ainda televisão, a rádio de válvulas fazia mais barulho que o vento... eram as correrias pela casa e os jogos de escondidas que esconderijos não faltavam. Quando um trovão soava mais forte, Avó-Má juntava os mais pequenos à volta e rezavam uma oração meio em Latim, meio em Português: "Jesus Nazareno, ora pro nobis... ". Lembro-me da minha Mãe contar que, quando ainda viviam todos com os pais, muitas vezes acompanhou o meu Avô, em plena tempestade, a apanhar os ramos e troncos deitados abaixo das árvores pelos ventos, para servir de lenha na cozinha.
Antigamente, a aproximação dos tufões eram anunciados pelo rebate dos sinos na Capela da Guia. Não me lembro de ter visto hasteado alguma vez o sinal 10. Actualmente, já existem também sinais luminosos para serem vistos de noite.
Para nós, noite de tufão, era como que uma noite de Natal antecipada; todos juntos, só que sem prendas...

sábado, 21 de novembro de 2009

To Sir With Love

Foi a música mais adequada que encontrei para dedicar à Professora que mais me marcou. (ver post a seguir)

A Professora que mais me marcou



Chamava-se Beatriz Abegão Pinto. Recordo-a com a saudade e o carinho que se tem por aqueles que gostamos verdadeiramente, sem lamechice nem necessidade de grandes demonstrações.
Eu era finalista no Liceu Nacional de Santarém nos finais dos Anos 60 e vivia intensamente o fulgor da irreverência juvenil desses tempos que estavam a mudar. Ela era a nossa Professora de Filosofia. Alentejana, filha de boas famílias, trintona e solteira. Uma história de decisões e emancipação difíceis contada em primeira pessoa, que sensibilizou toda uma turma. Foi a única Professora que tive, que quando falava, o silêncio surgia naturalmente, sem medos.

Nunca mais esqueci as aulas suplementares que deu, voluntariamente, fora dos muros do Liceu, no relvado do miradouro, qual Sócrates (o Filósofo, nada de confusões...) rodeado de discípulos sentados à volta. Bebíamos-lhe cada palavra, cada frase. Discutíamos! Aprendíamos a gostar de Filosofia. Não fui grande aluno nessa disciplina. Terminei com 14 valores no exame. Nem sequer é a minha área. Sou Professor de Educação Física. Mas, nas minhas relações com os meus alunos, tenho procurado pautar-me sempre, pela mesma humanidade, naturalidade e simplicidade que punha em cada gesto e em cada palavra.

Onde quer que esteja, Colega Professora Beatriz Abegão Pinto, pode estar orgulhosa deste Aluno que teve nos idos Anos 60 no Liceu Nacional de Santarém. Bem haja.

Reinaldo de Jesus Rodrigues Amarante Tentado

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Moonlight Serenade - The Glenn Miller Orchestra

Uma das primeiras músicas de que me lembro.

Reinaldo I


No ar pairavam ainda os cheiros da 2.ª Guerra Mundial e esperneava eu pela 1.ª vez fora da mãe. A cegonha azul depositou-me numa escala num hospital em Cantão.

Nunca soube muito bem esta história, a não ser que o meu pai biológico deveria estar a actuar nessa cidade (era músico e tocava saxofone e clarinete numa orquestra de baile…). Minha Mãe sempre contou que tinha sido muito bem tratada, fazia questão em dizer que as instalações eram muito asseadas e o atendimento irrepreensível. Não me lembro de mais pormenores, só o facto de ter nascido às cinco da manhã ("foi bom porque estava fresquinho...").

Mais tarde, viria a ser registado como tendo nascido em Macau, numa casa situada na Rua de S. Januário... (casa onde, suponho, viviam quando estavam em Macau).

Tal facto não me evitou ser apodado de “chinês” pelos meus colegas de escola em Portugal.
Sempre me lembro do meu Pai (será a partir de agora a designação do Pai André, o meu verdadeiro Pai). Se nem sempre o tratei assim, no início da sua relação com minha Mãe tratava-o por "tio", designação muito vulgar em Macau para tudo quanto é adulto, mais ou menos próximo, assim como o "mano (a)" era utilizado entre primos e amigos mais próximos, também é verdade que sempre soube quem era o meu pai biológico e tenho leves recordações dele, mas nunca ao lado de minha Mãe.


Existem umas poucas fotografias onde ele aparece comigo ao colo (muito pequeno) e uma fotografia colorizada que minha Mãe fez questão de preservar, fazendo da Fatinha sua fiel depositária, depois do nosso casamento, sabe Deus porquê...
O meu pai biológico era, segundo a minha certidão de baptismo, de origem filipina. Algumas cartas velhas que tive acesso quando adolescente, revelavam que era casado em Manila, onde tinha, salvo erro, três filhos mais velhos que eu. Há muito que essas cartas já desapareceram, aliás, a minha Mãe, depois da morte do meu Pai e até ao seu próprio falecimento, destruiu praticamente toda a correspondência existente em casa, pelo que muito do que aqui revelo deve-se apenas à minha memória, que, espero, não me atraiçoe tão cedo.

É sempre difícil confiar apenas na memória para relembrar o que quer que seja. Fotografias minhas mais antigas, mostram-me entre dois a três meses; são as que foram tiradas no meu baptismo em Outubro de 49 (nasci a 16 de Julho desse ano) As minhas primeiras lembranças mais antigas remontam, com toda a certeza, aos meus quatro anos. Desta idade tenho marcos importantes gravados: o nascimento do meu irmão Mário e a minha entrada na Escola Infantil João de Deus. Antes disso, as coisas são mais nebulosas, não tenho tanto a certeza, se são lembranças, se são as fotografias que tenho desse período longínquo. De qualquer forma, pretendo também socorrer-me delas.

Meu Pai era tenente miliciano do Exército Português e estava em comissão de serviço em Macau. Nascera na Figueira da Foz, embora a sua família fosse do Porto. Minha Mãe conheceu-o através de amigos comuns. A primeira impressão até nem fora muito favorável. Era de tez branca e aloirado, atributos que apreciava pouco. Mais tarde, quando teve oportunidade de estar mais próximo dele admirou a sua altura (mais de 1,80 m...). Pelo que me contou, fumava na altura Camel e usava after shave Palmolive. Somou pontos quando a minha Mãe constatou que as unhas, os punhos e os colarinhos da camisa estavam irrepreensíveis...

Não sei o que aconteceu para provocar a separação dos meus pais biológicos a não ser o facto de ele já ser casado e ter família constituída em Manila. Por outro lado, não deixou de perfilhar-me, dando-me o seu apelido. A certa altura, por uma questão de trabalho, a orquestra do meu pai biológico teve de deixar Macau, para regressar às Filipinas. A minha Mãe disse-me que ele queria levar-me com ele, mas que não tinha deixado. Nessa altura, há muito que já não viviam juntos. Tenho uma vaga ideia de ter visto o meu pai biológico, quando o meu irmão Mário já era nascido, teria eu quatro anos. Depois disso, ainda foram recebidas algumas cartas, que referi acima, mas que já não existem. A partir daqui, exceptuando nos documentos oficiais, quando falo do meu pai, refiro-me a ANDRÉ GARCIA DA SILVA, de quem guardo as mais gratas recordações e devo quase tudo o sou e considero o único PAI que tive.

(Foto: No dia 4 de Outubro de 1949, dia do baptizado, aos dois meses e meio)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Os meus Avós Maternos I


Uma figura que ocupa um lugar inquestionável nas minhas lembranças é a minha avó materna, a Avó-Má (esta designação nada tem de pejorativo, era o diminutivo da "mamã" ocidental que nós, os netos, pronunciávamos à chinesa, de forma aberta "mamá"; da mesma forma, o nosso avô materno era chamado por "Avô-Pá"). Na minha infância, até me separar dela quando saí de Macau, foi aquela Avó que todos temos ou gostaríamos de ter e imaginamos: bondosa, um pouco forte, de cabelos grisalhos, boa contadora de histórias, compreensiva e sempre surpreendente. Era muito religiosa, tinha um oratório à moda antiga no seu quarto, diante do qual rezava muitas vezes. Aliás, rezava antes e depois das refeições, ao deitar e ao acordar... No Verão, dormia com a cabeça apoiada num tijolinho oco de porcelana à boa maneira oriental, tijolinho esse que era uma autêntica caixinha de surpresas: de dentro tanto podia sair um terço como receitas de mezinhas misturadas com pagelas de santinhos, madeixas de cabelos dos filhos quando pequenos ou recibos de casas de penhores...
Muito do que sei sobre Macau foi-me contado por ela. Dizia-me que a sua família era originária das Filipinas. Se bem me lembro, tinha duas irmãs: Maria e Carina. Como se chamava Henriqueta, a minha Mãe apanhou com os nomes das três manas, daí ter-se chamado Henriqueta Maria Carina. Os Pais dela (o pai era guarda-livros e a mãe era doméstica) separam-se quando ela era muito nova. Da separação ela ficou com o pai e as irmãs com a mãe. Estas últimas foram para as Filipinas e ela e o pai vieram para Macau. Como o pai era abastado, ela foi internada num colégio de freiras onde recebeu uma educação esmerada até o dia em que o pai morreu. De interna pagante passou a "tolerada"; continuou no colégio, mas passou a trabalhar na cozinha para pagar a sua educação e aí ficou até ir para um hospital aprender enfermagem. Tinha um tutor, salvo erro, um militar (capitão?).


A minha Mãe contou-me que a minha avó, nesse período, era muito bonita, e apesar de órfã e com poucos ou nenhuns rendimentos, tinha muitos pretendentes. Teve, a certa altura, uma paixão por um indivíduo, que se veio a revelar pouco digno dela. Enquanto lhe arrastava a asa engravidou outra rapariga e segundo os costumes em uso, foi obrigado a casar com ela.


A minha Avó teve um grande desgosto, deixou de sair; as suas colegas da enfermagem diziam que ela iria ficar solteirona, que mais ninguém iria querer casar com ela. Minha Avó respondeu que não, que continuava a receber pedidos de casamento e para lhes mostrar que era verdade, aceitaria o primeiro pedido que recebesse. Esse primeiro pedido foi de um indivíduo de nome Simão Amarante, português e tinha como profissão bombeiro. Como não sabia escrever, a carta tinha sido escrita por um amigo.


O facto é que começaram a namorar à moda da época, com dias e horas marcados e sempre na presença da inevitável "chaperon", pau-de-cabeleira em bom Português... Contava a minha Mãe que era uma velha senhora (enfermeira) que ficava sentada a fazer tricot, na mesma sala onde a minha Avó recebia o seu pretendente. Namoravam sentados, lado a lado, virados na mesma direcção, em cadeiras separadas e afastados um do outro, pelo que não havia hipóteses de contacto. Se a conversa avançava para um campo mais pessoal, a dita Senhora tinha um acesso de tosse, apesar de aparentar não prestar atenção à conversa...


Desta situação resultou algo caricato. Só na noite de núpcias a minha Avó olhou, pela primeira vez, o meu Avô de frente e viu que tinha marcas de bexigas na cara.


Foi um casamento com alguma pompa e circunstância, apesar de tudo; o tutor tinha gerido bem a herança deixada pelo meu bisavô. Fez-se uma grande festa, receberam muitas prendas, algumas muito valiosas. Ouvi falar em baixelas luxuosas e faqueiros de prata. Ainda me lembro de um piano de cauda que já ninguém tocava, mas sobreviveu à 2ª Guerra Mundial que tanto haveria de abalar a Família. (continua)



segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Sonhar contigo (Oh Coimbra)

Houve um tempo em que quis cursar Medicina em Coimbra. Estudava no Liceu Sá da Bandeira em Santarém. Sonhava cantar numa tuna, eventualmente fazer parte de um grupo de fado. Fui finalista em 67-68. Os ventos sopraram noutra direcção. Nem cheguei sequer a estudar na Lusa Atenas. Ficou a nostalgia do que não aconteceu e a saudade do que não existiu. E um coração que bateu sempre pela "Briosa".

domingo, 15 de novembro de 2009

Muros

Os media falaram muito na semana que passou nos 20 anos da Queda do Muro de Berlim. Foi como se de repente, o mundo tivesse acordado para as dezenas, senão centenas de Muros que retalham a nossa Aldeia Global. Tão importantes, ou mais ainda, são os Muros Invisíveis que separam as Pessoas e que estão na origem de mais muros reais a separarem, a cercearem a liberdade.

"Nos meus cadernos de aluno
Na minha carteira e nas árvores
Sobre a areia e sobre a neve
Escrevo o teu nome
Em todas as páginas lidas
Em todas as páginas em branco
Pedra sangue papel cinza
Escrevo o teu nome
Sobre as imagens douradas
Sobre as armas dos guerreiros
Sobre a coroa dos reis
Escrevo o teu nome
Nas selvas e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No eco da minha infância
Escrevo o teu nome
Nas maravilhas das noites
No alvo pão de cada dia
No matrimónio das estações
Escrevo o teu nome
Nos meus farrapos de azul
No pântano sol alterado
No lago luar vivente
Escrevo o teu nome
Nos campos do horizonte
Sobre umas asas de pássaro
Sobre o moinho das sombras
Escrevo o teu nome
LIBERDADE"
(Paul Elouard)


As Mulheres da minha Vida

Alguns elegem os livros da sua vida, outros, os filmes. Hoje, quero falar-vos das "Mulheres da Minha Vida".
A primeira, a que conheci ainda antes de a ver: minha Mãe. A que me gerou no ventre e me acompanhou nos primeiros anos de vida. Quarta, numa lista de oito irmãos, foi sempre a Maria-Rapaz da família. Mais depressa pegava num martelo e numa chave de fendas para consertar algo, do que punha os pés na cozinha. Era a preferida do meu Avô ("Avô-Pá"...). Não passou do 4º ano comercial, "... a cabeça não dava..." dizia muitas vezes, mas as razões iam muito para além dessas, como iremos ver mais tarde.
A segunda, Avó-Má, minha Avó, de quem já falei e estará presente em muito do que vier a escrever.
A terceira, a minha Mulher, o meu primeiro e único verdadeiro Amor. Minha Companheira de mais de trinta anos, com quem casei duas vezes... com um intervalo de vinte anos. Primeiro civilmente, depois, pela Igreja Católica.
Finalmente, as nossas duas Filhas, que nasceram por nossa vontade, com uma diferença de seis anos. A mais velha é nossa Colega. Licenciou-se em Geografia e Planeamento Regional e fez uma Pós-Licenciatura na Via de Ensino. Gosta do que faz e tanto quanto me apercebo tem demonstrado ser boa na sua profissão. Um pouco conservadora, gosta da estabilidade. Será o natural repositório das nossas memórias. Relativamente à irmã, assume um pouco o papel de irmã mais velha protectora, tipo mãe-galinha. A mais nova, frequenta o 3º ano de Ciências Farmacêuticas, com a Medicina atravessada na garganta, embora aparente mais conformada. Quem não a conhece, não vê a voluntariosa e aventureira, que, ao contrário da irmã mais velha, alimenta-se de adrenalina, do desconhecido, da novidade. Se pudesse, a vida para ela seria um permanente ilinx ("vertigem", Caillois, 1958).

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

"Ma"

Tinha um nome comprido: Henriqueta Maria Carina Rodrigues Amarante. Mais tarde, pelo casamento acrescentou-lhe ainda "Garcia da Silva". Se estivesse viva, no dia 14 de Novembro faria 83 anos.
Para uma parte da família era a Carina, para a outra, Carol. Os três primeiros nomes eram da sua Mãe e de duas tias.
Quando era pequeno chamava-lhe simplesmente "Ma", quando cresci e até nos deixar fisicamente passei a chamar-lhe "Mãezinha".

sábado, 7 de novembro de 2009

“Sessenta anos atrás, eu sabia tudo. Hoje sei que nada sei. A educação é a descoberta progressiva da nossa ignorância.” Durant Will


A crer nas palavras do citado, eu, que já virei a sexagésima página do livro da minha existência, tenho de me apressar, se ainda quero deixar algo escrito para memória futura.

Tentei tantas  vezes iniciar  um blog nesse sentido e outras tantas, acontecimentos actuais e prementes, exigiram a minha opinião, mormente os relacionados com a minha ocupação profissional levavam-me a desviar-me dos meus intentos originais: escrever sobre os meus "antigos", não deixar perder as memórias que me foram transmitidas oralmente, muito especialmente a minha Avó materna a quem  os netos apelidavam muito carinhosamente de "Avó-Má" ("Má" no dialecto cantonense significa "mãe", pelo que "Avó-Má" era a forma infantil de designarmos avó materna...).

São essas memórias que quero partilhar, primeiro, com a minha Família mais chegada, Mulher, Filhas, Irmãos e Sobrinhos e a seguir, a que a Diáspora Macaense espalhou pelos recantos do mundo, depois, os meus Amigos, que há muito reclamam e me incentivam para o fazer.

O título do blog "Conversas com Avó-Má" explica tudo, embora não se restrinja apenas a essas conversas. Se algum acontecimento actual me obrigar a uma intervenção pontual, não deixarei de a fazer, mas considerarei sempre, por exemplo, que blogs sobre a Educação existem muitos e bem melhores do que algum dia faria.

Posto isto, está aberta a primeira página. Venha daí.

Post Scriptum: nasci em 1949; daqui proclamo solenemente que NUNCA, pela minha livre vontade, aderirei ao novo "acordo ortográfico".