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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Reinaldo I


No ar pairavam ainda os cheiros da 2.ª Guerra Mundial e esperneava eu pela 1.ª vez fora da mãe. A cegonha azul depositou-me numa escala num hospital em Cantão.

Nunca soube muito bem esta história, a não ser que o meu pai biológico deveria estar a actuar nessa cidade (era músico e tocava saxofone e clarinete numa orquestra de baile…). Minha Mãe sempre contou que tinha sido muito bem tratada, fazia questão em dizer que as instalações eram muito asseadas e o atendimento irrepreensível. Não me lembro de mais pormenores, só o facto de ter nascido às cinco da manhã ("foi bom porque estava fresquinho...").

Mais tarde, viria a ser registado como tendo nascido em Macau, numa casa situada na Rua de S. Januário... (casa onde, suponho, viviam quando estavam em Macau).

Tal facto não me evitou ser apodado de “chinês” pelos meus colegas de escola em Portugal.
Sempre me lembro do meu Pai (será a partir de agora a designação do Pai André, o meu verdadeiro Pai). Se nem sempre o tratei assim, no início da sua relação com minha Mãe tratava-o por "tio", designação muito vulgar em Macau para tudo quanto é adulto, mais ou menos próximo, assim como o "mano (a)" era utilizado entre primos e amigos mais próximos, também é verdade que sempre soube quem era o meu pai biológico e tenho leves recordações dele, mas nunca ao lado de minha Mãe.


Existem umas poucas fotografias onde ele aparece comigo ao colo (muito pequeno) e uma fotografia colorizada que minha Mãe fez questão de preservar, fazendo da Fatinha sua fiel depositária, depois do nosso casamento, sabe Deus porquê...
O meu pai biológico era, segundo a minha certidão de baptismo, de origem filipina. Algumas cartas velhas que tive acesso quando adolescente, revelavam que era casado em Manila, onde tinha, salvo erro, três filhos mais velhos que eu. Há muito que essas cartas já desapareceram, aliás, a minha Mãe, depois da morte do meu Pai e até ao seu próprio falecimento, destruiu praticamente toda a correspondência existente em casa, pelo que muito do que aqui revelo deve-se apenas à minha memória, que, espero, não me atraiçoe tão cedo.

É sempre difícil confiar apenas na memória para relembrar o que quer que seja. Fotografias minhas mais antigas, mostram-me entre dois a três meses; são as que foram tiradas no meu baptismo em Outubro de 49 (nasci a 16 de Julho desse ano) As minhas primeiras lembranças mais antigas remontam, com toda a certeza, aos meus quatro anos. Desta idade tenho marcos importantes gravados: o nascimento do meu irmão Mário e a minha entrada na Escola Infantil João de Deus. Antes disso, as coisas são mais nebulosas, não tenho tanto a certeza, se são lembranças, se são as fotografias que tenho desse período longínquo. De qualquer forma, pretendo também socorrer-me delas.

Meu Pai era tenente miliciano do Exército Português e estava em comissão de serviço em Macau. Nascera na Figueira da Foz, embora a sua família fosse do Porto. Minha Mãe conheceu-o através de amigos comuns. A primeira impressão até nem fora muito favorável. Era de tez branca e aloirado, atributos que apreciava pouco. Mais tarde, quando teve oportunidade de estar mais próximo dele admirou a sua altura (mais de 1,80 m...). Pelo que me contou, fumava na altura Camel e usava after shave Palmolive. Somou pontos quando a minha Mãe constatou que as unhas, os punhos e os colarinhos da camisa estavam irrepreensíveis...

Não sei o que aconteceu para provocar a separação dos meus pais biológicos a não ser o facto de ele já ser casado e ter família constituída em Manila. Por outro lado, não deixou de perfilhar-me, dando-me o seu apelido. A certa altura, por uma questão de trabalho, a orquestra do meu pai biológico teve de deixar Macau, para regressar às Filipinas. A minha Mãe disse-me que ele queria levar-me com ele, mas que não tinha deixado. Nessa altura, há muito que já não viviam juntos. Tenho uma vaga ideia de ter visto o meu pai biológico, quando o meu irmão Mário já era nascido, teria eu quatro anos. Depois disso, ainda foram recebidas algumas cartas, que referi acima, mas que já não existem. A partir daqui, exceptuando nos documentos oficiais, quando falo do meu pai, refiro-me a ANDRÉ GARCIA DA SILVA, de quem guardo as mais gratas recordações e devo quase tudo o sou e considero o único PAI que tive.

(Foto: No dia 4 de Outubro de 1949, dia do baptizado, aos dois meses e meio)

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