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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Feliz Aniversário Pai!

Se estivesse vivo, faria hoje 85 anos. Nasceu na Figueira da Foz, embora a sua família fosse originária do Porto.
O seu pai, André da Silva, era tenente-músico e maestro. Era também compositor, com obras musicais registadas na Sociedade Portuguesa de Autores. Até há uns bons anos atrás, uma tia materna do meu Pai recebia anualmente uma pequena quantia (quase irrisória) de direitos de autor. Conservamos em nosso poder uma batuta oferecida por um grupo de admiradores.
A mãe, chamava-se Marieta Garcia em solteira, era doméstica e tinha uma irmã mais nova. Meu Pai tinha ainda dois irmãos, o mais velho, de nome Mário Garcia da Silva, militar de carreira onde atingiu o posto de coronel, o irmão do meio, Jaime Garcia da Silva, que morreu relativamente jovem e nunca conheci.
O meu Pai recebeu o nome do seu pai, André. Em pequeno era conhecido por “Tété”…
Meu Pai lembrava-se pouco dos Pais que morreram muito cedo, um a seguir ao outro, teria ele entre 4 e 5 anos. Foi criado pela tia materna, a Tia Albertina.
Esta, dizia que tinha ascendência espanhola e algures na árvore genealógica havia um tio-avô que era visconde, embora tivessem vivido sempre de uma forma humilde, já que a Tia Albertina trabalhava numa “tinturaria”, o equivalente às actuais lavandarias, onde lavava, tirava nódoas e “brunia” (passar a ferro) a roupa. Foi uma segunda mãe para o meu Pai, até porque nunca casou, resultado de um amor, cuja história era muito semelhante à de Avó-Má. O indivíduo por quem se apaixonou, pelos vistos foi um gabiru de primeira apanha; enquanto lhe arrastava a asa engravidou outra, e segundo parece, mais dotada financeiramente, e, costume da época, lá foi obrigado a casar. Só que a Tia Albertina nunca mais quis saber de amores, seguindo a sua vida solteira.
Aos 10 anos ingressou no Colégio Militar com o Nº.148 e ganhou a alcunha de “Rato”, que já pertencera ao seu irmão mais velho e chegara a ser Comandante do Batalhão Escolar, posto que meu Pai nunca alcançou, com grande desgosto do irmão.
No Colégio Militar criou muitos amigos, entre os quais, o actor Artur Semedo. Teve um percurso escolar sem grandes sobressaltos, mas com muitas histórias para contar (algumas terei oportunidade de debitar na altura oportuna), com mais cabulice que dedicação ao estudo.
Terminado o Colégio Militar, não querendo seguir a vida das armas, regressou ao Porto, onde se matriculou na Faculdade de Ciências. A vida de boémia estudantil não permitiu que singrasse nos estudos universitários, pelo que foi chamado para as fileiras do serviço militar obrigatório. Foi mobilizado para Macau, onde conheceu a minha Mãe.
O Colégio Militar deu-lhe regras, que a vida militar afinou. Era uma pessoa de uma cultura superior. Dominava o Inglês, fruto de milhares de livros que leu ao longo da vida.
A certa altura, já como tenente do Quadro Permanente, foi chamado a frequentar um curso sobre material de guerra nos Estados Unidos da América. Entre 32 oficiais não americanos de diversos países ficou em 1º lugar recebendo o título de “Honor Student”, facto que mereceu do seu Comandante um louvor e, posteriormente, a medalha de mérito militar.
Foi sempre muito exigente comigo (muito mais do que com os meus irmãos…); era o mais velho, tinha de dar o exemplo e ao respeito. Uma nota de curiosidade: ainda agora, o meu irmão me trata por Mano e a minha irmã, por Maninho.
Tínhamos longas conversas sobre os mais diversos assuntos, sessões de boas-maneiras em todas as ocasiões, etiqueta à mesa, como receber, como vestir, como falar. Influenciou-nos no gosto musical, permitindo-nos ser capazes de apreciar os diversos estilos de música sem constrangimentos. Criou-nos o gosto pela leitura.
Apesar da vida militar e das consequentes mobilizações para as ex-colónias, nunca deixou de ser um pai presente. Não tínhamos telefone (muito menos telemóveis…), mas havia aerogramas, os “bate-estradas” na gíria militar.
Apesar da vida nem sempre ter sido fácil para ele, e para nós por tabela (foi capitão um ror de anos sem ser promovido), com um pré vergonhoso, vivendo aquilo que ele denominava uma “miséria dourada”, nunca nos faltou o básico; não tínhamos carro, nem conta no banco, nem casa própria; não íamos à praia no Verão mas acampávamos na Cardiga, onde todos aprendemos a nadar no Tejo. Frigorífico, esquentador e televisão só muito mais tarde. Quando quis ter uma viola, dei explicações de Matemática e paguei-a a prestações. Autorizou-me a fumar à sua frente, tinha eu dezoito anos, desde que eu pagasse o meu próprio tabaco. O primeiro gira-discos surgiu em casa, já eu andava no 6º ano do liceu (actual 10º ano).
Era mais tradicionalista que conservador, apesar de ter sido educado no antigo regime. Foi saneado a seguir ao 25 de Abril. Foi um período difícil, de revolta e de injustiça. Nunca chegou a saber de que o acusaram. Mais tarde foi readmitido com tudo o que tinha direito. Quando se reformou já tinha feito as pazes com o sistema e embora não fosse da Esquerda, quando lhe comuniquei que pretendia integrar as listas da CDU como independente, em apoio de um colega de nome Henrique Leal para as autárquicas, não me levantou entraves, pelo contrário, incentivou-me a levar a intenção à frente. Sempre respeitou as minhas opções políticas. Não falávamos muito disso, mas não era assunto tabu em casa.
Quando faleceu aos 64 anos, senti, como nunca, a dor da perda, mas entre nós nada ficou por dizer, nada ficou por resolver, já que entre ambos fomos sempre sinceros e francos.
Sinto a tristeza de já não o ter entre nós, mas ao mesmo tempo, sinto a felicidade imensa e o privilégio de o ter tido como Pai.

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