Quando chegava o Verão, o céu de Macau coloria-se com centenas senão milhares de papagaios de papel. Numa época em que não existia a prisão da televisão, nem dos PC e nets, nem dos segas e quejandos, o papagaio de papel era a forma de divertimento mais popular e barata. Para miúdos e graúdos.
Havia-os à venda, mas os craques tinham gosto em construir o “seu papagaio”. Alguns conseguiam imprimir uma forma e uma cor que quando eram lançados, os seus construtores eram imediatamente reconhecidos. Os meus Pais eram grandes “craques” nesta actividade.
Tudo começava com a escolha do papel de seda e da cana da índia que iria servir de estrutura. Depois, era o rolo de linha de uma determinada espessura e bastante comprida.

Pois era disso que se tratava. Aliás, havia uma espécie de código de honra que se respeitava. Os papagaios com rabo não eram atacados. Normalmente, eram de miúdos pequenos que se divertiam lançando apenas o papagaio, que com o rabo eram mais estáveis mas lentos nas manobras e voavam mais baixo.
Os “Combatentes”, apareciam sem rabo, normalmente eram mais pequenos e muito velozes nas manobras. Desafiavam-se entre si e davam origem a verdadeiros bailados aéreos. Aqui entrava o tal fio impregnado de pó de vidro. A táctica era simples: cada um tentava cruzar o seu fio com o do adversário, ficando por cima. Nessa altura largava linha a toda a velocidade na intenção de cortar o fio do que ficava por baixo. Caso conseguisse, havia um papagaio a esvoaçar sem controle, à mercê de quem o apanhasse.
Mas as coisas nem sempre eram assim tão simples. Se o opositor fosse bom, em dois tempos saía debaixo e passava para cima e tudo recomeçava. Outras vezes, ao largar a linha esta acabava e era a vez do de baixo largar linha e cortar o fio do que estava em cima. Eram autênticos desafios aéreos, de ataca e foge, de corta-corta, que só por si já eram um espectáculo, com papagaios em voo picado e outros em "loopings" defensivos.

Contava a minha Mãe, que uma vez, houve um chico-esperto que cruzou o fio com o da “Estrela” e cortou-o, caindo no pátio dos Bombeiros. Avô-Pá, desceu do terraço, identificou o “herói”, agarrou no rolo deste partiu-o ao meio e cortou-lhe a linha. E depois disse-lhe que para a próxima era na cabeça dele…
Remédio santo: nunca mais ninguém se atreveu a meter-se com a “Estrela”.
Foto: Meu Pai, na última comissão que fez em Macau, num intervalo de uma cerimónia oficial, a manobrar um papagaio.
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