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sábado, 6 de fevereiro de 2010

"Não há outra mais leal"

Como todos os Macaenses do meu tempo, falamos de meados do século passado, sofremos a influência das várias culturas que fizeram de Macau a sua confluência e a tornaram numa Babel dos Tempos Modernos, catalizada pelos inúmeros refugiados que nele encontraram alguma paz nos conturbados tempos da Segunda Guerra Mundial.

Normalmente todos os Macaenses têm uma costela portuguesa, na maioria das vezes, do lado paterno. A primeira língua que aprendiam verbalmente, era o Cantonense. Paralelamente, lá iam tagarelando o Português, “Macaquês”, como o meu Pai gostava de dizer. Mas era mais um cocktail de Cantonense/Português, feito mais para comunicar com os Portugueses genuínos que de outra forma ficavam com os “olhos em bico” para serem entendidos. A juntar a isto, dada a proximidade de Hong Kong, o Macaense, muito cedo aprende a falar o Inglês que aprofundará quando entrar para a escola. O Patuá, que já referi noutras ocasiões, era o dialecto dos mais idosos, uma espécie de curiosidade em vias de extinção.

O Português, como língua, oficialmente começa na Escola Infantil. Mas era muito complicado. Só me lembro que não percebia o que a Professora (Educadora) dizia, apesar dela exprimir-se em Português e Cantonense.

Era suposto que a criança, ao chegar à Escola Primária já dominar o Português. Na realidade, nós falávamos (mal) com os Professores em Português na sala de aula, mas nos recreios, entre nós, era o Cantonense.

Por outro lado, os manuais que utilizávamos eram os mesmos da Metrópole (Portugal). Assim, aprendíamos, sem nunca termos visto, o que era um “cântaro”, uma “bilha”, um “moinho, um moleiro e um burro”, sabíamos que a Serra da Estrela era a mais alta de Portugal e no Inverno tinha neve, que nunca tínhamos visto, como as linhas ferroviárias todas, sem nunca termos visto um comboio e os rios e afluentes, onde nasciam e desaguavam, quando o único rio que conhecíamos era o mar chamado Rio das Pérolas…

Os mais afortunados passavam férias no Japão ou na Tailândia, outros, tinham a suprema felicidade de visitar Portugal numas “férias graciosas”, de quatro em quatro anos, se o Pai fosse funcionário público… Os restantes, contentavam-se com uma saltada a Hong Kong ou ficavam confinados aos então vinte quilómetros quadrados do território da Cidade do Santo Nome de Deus de Macau “Não há outra mais leal”, lema atribuído pelo facto de, até à sua restituição à China, a Bandeira Portuguesa nunca ter sido arreada.

2 comentários:

  1. Nós, por cá, na Metrópole, como então se dizia, também aprendíamos realidades desconhecidas: a Serra da Estrela, as linhas do caminho de ferro, os rios (o maior que vi até aos meus doze anos foi o Alcoa), barragens, aviões, paquetes... Em Macau, tinhas 20 Kms quadrados; na minha aldeia, nem tanto tinha. O mundo então era enorme. E a sua descoberta motivo de maravilhamento, ao contrário do que sucede hoje com muitos dos jovens, que parecem ter nascido já velhos. Já reparaste certamente que quando vão a visitas de estudo, por exemplo, raramente olham pela janela do autocarro?

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  2. É um facto. De tanto acesso a tanto, eles acabam por se virarem para dentro. Não são apenas as janelas do autocarro, são aquelas que propões (propomos...)e que eles insistem em não olhar através. Nesse aspecto, considero que somos muito mais progressistas, no bom sentido da palavra, do que os nossos alunos.

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