Nos meus tempos de menino em Macau, o Natal, tal como hoje, penso eu, era o anglo-saxónico, com a figura do Pai Natal e do pinheiro enfeitado em detrimento do tradicional português. Na casa dos meus Avós havia um velho Presépio de cartão, com as figuras recortadas, mas que fazia as delícias de toda a pequenada. A Árvore de Natal era imponente: um pinheiro que Avô-Pá se encarregava de trazer, não sei de onde, que quase chegava ao tecto. Bolas e enfeitos, novos e antigos misturavam-se entre fitas e faiscantes lâmpadas multi-coloridas. Flocos de algodão davam o branco da neve.
Curiosamente, não me lembro das noites de Consoada na casa dos Avós, excepto a última que passei em Macau, porque acompanhei Avó-Má à Missa do Galo na Igreja de Santo António.
Não era hábito na nossa Família fazer os doces da época. Normalmente Avó-Má comprava-os a umas senhoras idosas que os confeccionavam e os levavam lá a casa. A mesa estava sempre posta para receber quem chegasse, do Natal até aos Reis.
Como quem trazia os presentes era o Pai Natal, estes só eram acedidos no dia 25 de manhã, já na nossa casa, dentro dos sapatos que colocávamos debaixo da nossa Árvore de Natal. Como o nosso Pai normalmente estava de prevenção no quartel, consoávamos na casa dos Avós, com grande júbilo de Avô-Pá que gostava de ver muita gente à sua volta. As pessoas que se reuniam variavam. Tio César e Tia Branca, que viviam em Macau traziam os filhos; Tia Zela, Jojo, Tio Hugo e Tia Gija ainda viviam com os meus Avós; às vezes Tio Vasco também estava. Dava gosto ver o ar de inefável felicidade do Chefe Amarante com a casa cheia e aquele exército de catraios a percorrer tudo quanto era canto da casa. Era o Natal que nunca teve em pequeno. Não dispensava o bacalhau com batatas e couves mas dispensava o ovo, que considerava um luxo desnecessário. Tal como o bacalhau que tinha de vir de Portugal, abria também um garrafão de vinho tinto (encomendado com meses de antecedência), selado com gesso que tinha de ser partido com um martelo, com grande alegria dos mais novos, que aproveitavam os bocados de gesso para riscar o chão do pátio com o jogo da macaca, os quatro cantinhos e outros grafitos infantis.
No dia 25, com roupinhas novas, fazíamos as visitas para trocas de prendas. De caminho, esbugalhávamos os olhos e esborrachávamos os narizes nas montras das lojas cintilantes e ricamente decoradas.
Macau era aquele empório onde tudo entrava e saía. Apesar de não sermos abastados, tive brinquedos que só muitos anos depois vi à venda em Portugal.
Foto: Iluminações de Natal em Macau 2010, colocada no Facebook pelo meu primo Dino