Este Blog não adere ao Novo Acordo Ortográfico

------------------------------------------------------------------

quarta-feira, 31 de março de 2010

Tio Vasco

Terceiro na ordem de filiação dos meus Avós Maternos, o meu Tio Vasco foi, aquele com quem menos convivi, excluindo um Tio Tito, que não cheguei a conhecer por ter falecido ainda antes de eu nascer.
Muito cedo saíu de casa; logo que completou o Curso Comercial rumou a Hong Kong, onde fez a sua base. Foi o homen das sete profissões, o que lhe permitiu "percorrer as sete partidas do Mundo". Andou embarcado como contabilista, era um auto-didacta inato. Falava correctamente o Inglês, além do Cantonense, o Português, o Espanhol, o Italiano e o Francês. Tinha uma habilidade natural para trabalhos manuais, pelo que frequentou com aproveitamento cursos profissionais de cabeleireiro, hotelaria, estilista e por fim, um curso de decoração. Trabalhou durante muitos anos numa das das mais caras casas do ramo de Hong Kong: a célebre Lane Crawford. Uma das casas decoradas por ele foi cenário do filme "A colina da saudade" (Love is a many splendored thing, de 1955, com William Holden e Jennifer Jones) rodado parcialmente em Hong Kong.
Sem avisar, aparecia por Macau. Era raro escrever. Apadrinhou a minha irmã Diana, mas à última da hora passou a procuração ao meu Tio Hugo, porque não podia estar presente.
Quando tudo indicava que ia assentar na vida, despediu-se do emprego na Lane Crawford e decidiu viajar à aventura. Já tinha quarenta anos. Percorreu o sudeste asiático, foi à Rússia (dificílimo naquela altura), andou pela Europa, apaixonou-se pelos países nórdicos, especialmente a Noruega e passou cerca de três meses em Portugal na nossa casa.
Tive então oportunidade de conhecer uma pessoa de espírito excepcionalmente aberto (estávamos nos finais dos anos 60). Era um verdadeiro gentleman, refinado e culto; foram três meses em que aprendi com ele tudo aquilo que foi possível. Foi com grande pena que o vimos partir, de regresso a Hong Kong, onde, com dois sócios, formou uma empresa de importações e exportações, trabalho que o ocupou até ao fim da vida, viajando todos os anos à Noruega, onde tinha uma casa, para esquiar e onde agora repousam as suas cinzas. R.I.P.


Semana Santa: o Canto da Verónica

Como em muitas terras portuguesas, Macau também celebrava a sua Semana Santa com toda a sua devoção. Um dos pontos altos, era a Procissão do Senhor dos Passos. Era uma imponente manifestação religiosa em que participavam milhares de crentes e não só. Em pontos pré-determinados do percurso, a procissão parava, e de cima de um banco, uma jovem, vestida de branco, sobrebraçando uns rolos, cantava virada para a estátua do Senhor dos Passos, desenrolando um pano branco com o rosto de Cristo impressa numa representação da bíblica Verónica. Avó-Má contou-me que era uma grande honra e muito difícil ser escolhida para ser Verónica: tinha de ser jovem, virgem, boa voz, boa figura e ter um bom porte... As candidatas eram smpre muitas. Avó-má foi Verónica duas vezes, caso quase inédito. Já era Avó e ainda se lembrava do "Canto da Verónica". Chegou a ensinar-me. Creio que era em Latim.
Pois, graças à Internet, no Youtube, encontrei umas imagens recentes da Procissão e voltei a ouvir o "Canto da Verónica". A gravação não é grande coisa, o som muito menos. Mas foi uma grande emoção recuar mais de cinquenta anos, quando assisti, pela última vez à Procissão do Senhor dos Passos de Macau.

domingo, 28 de março de 2010

Semana Santa: Domingo de Ramos

Creio que já escrevi mais atrás, que Avô-Pá tinha plantado no jardim da casa uma planta, cujo nome não sei, mas que dava as palmas utilizadas nas Cerimónias do Domingo de Ramos.
Era tradição, de véspera, Avô-Pá cortava umas quantas palmas, um par para cada filho ou filha residente em Macau e, depois de devidamente benzidas, eram feitas chegar ao seu destino.
Na nossa casa, tínhamos duas gravuras emolduradas representando Jesus Cristo e a  Virgem Maria, respectivamente. Minha Mãe costumava colocar uma palma atrás de cada moldura, onde ficavam até serem substituídas por outras no ano seguinte.
No último ano que passei em Macau, por qualquer razão de saúde, Avó-Má não pôde levar as palmas para serem benzidas e, como já era crescido e responsável (...), incumbiu-me de tão elevada função. Só que o Homem põe, mas Deus dispõe, o facto é que saí tarde de casa (juro que a culpa não foi minha!) e quando cheguei à Igreja de Santo António, que frequentávamos, a benção das palmas já tinha passado e a cerimónia era outra.
Agora imaginem uma igreja repleta de fiéis e um pirralho de nove anos com um molho de palmas, devidamente acondicionadas com um belo laçarote (que nisto Avó-Má não deixava os seus créditos por mãos alheias) a avançar pelo corredor central, qual noiva solitária até frente ao altar mor, onde uma madre me informou então, que as palmas já tinham sido benzidas e estavam colocadas num local próprio num dos lados, até final das cerimónias.
Podia não ter sido um exemplo de responsabilidade, mas fui, um mestre no "desenrascanço"; rapidamente pensei para mim, se as palmas foram benzidas com água benta lançada pelo padre, se eu colocar as minhas palmas em cima das outras, sempre apanhava alguma da água e benzidas ficavam. Assim pensei, melhor o fiz.
Como Avó-Má não me perguntou por pormenores, também não contei que nesse ano, as palmas da Família tinham sido benzidas "indirectamente por contacto em água benta"...
Foto: Altar-Mor da Igreja de Santo António

sexta-feira, 26 de março de 2010

Uma Família de Nadadores

Se bem me lembro, Avó-Má não nadava. Sem saber, o meu Avô levava muito a sério a máxima grega da antiguidade que dizia " Aquela pessoa não tem educação, não sabe ler, nem escrever, NEM NADAR...".
Todos os meus tios e tias nadavam, uns mais outros menos. A minha Mãe, a Maria-Rapaz da Família, entre outras actividades físicas treinava Natação com regularidade. Competia em provas de resistência com resultados satisfatórios. Certa vez, meteu-se-lhe na cabeça participar numa prova de mar, ligando Macau às Ilhas de Taipa e Coloane. Era a primeira vez que se realizava. Orientada pelo seu treinador de sempre, o famoso ADÉ (o multifacetado José dos Santos Ferreira), treinou durante meses, com o treinador num barco a acompanhar de megafone na mão, a dar instruções. Tanto quanto se sabia, até porque havia outras pessoas  interessadas na prova, esperava uma boa prestação, pelos tempos conseguidos. Com o aproximar do evento, até se tinha criado um certo clima de favoritismo.  Uma das suas adversárias mais directas até lhe pediu que não participasse porque, se assim fosse, ela não tinha possibilidades de vencer...
Mas os tempos eram outros, os conhecimentos, os métodos de treino, os apoios da ciência ainda estavam na génese. No dia da prova, algo tão natural e simples de resolver nos dias de hoje inviabilizou a sua participação: o aparecimento do fluxo menstrual. Não havia nada a fazer.
Ficaram os efeitos dos dias de treino intenso e uns genes que se transmitiram à nossa filha mais nova, que durante anos foi nadadora federada (especialista em Bruços como a Avó) e cujas melhores prestações foram sempre em provas mais longas tendo, também,  participado numas quantas provas de águas abertas (travessias de barragens) que teriam feito "inchar" de orgulho a minha Mãe, se ainda estivesse viva ...
Foto: Ana Amarante na chegada de mais uma Travessia

terça-feira, 23 de março de 2010

A Mascote

Quando tocava a sirene, era a primeira a ocupar o seu lugar na viatura do Chefe Amarante.
Penso que nunca cheguei a saber o seu nome. Era uma cadela rafeira, que tinha sido adoptada por toda a corporação. Gostava de todos. De todos era amiga.
Nas cerimónias oficiais, sabia comportar-se com a formalidade exigida, acompanhando os desfiles e estando quieta quando era necessário.
Mas era nos incêndios que ela revelava o seu espírito de bombeiro. Na viatura do Chefe. Acompanhava todas as operações, sem interferir, às vezes ladrando, outras, calada.
Eu já não a conheci. Certa vez, estando numa fase adiantada de gravidez, falhou o salto para a viatura, caiu e foi colhida mortalmente por uma outra viatura que manobrava.
Foi com grande desgosto que, findo o incêndio, os Bombeiros a enterraram num recanto da parada e sobre o qual plantaram um espaço ajardinado em sua memória e mais tarde construíram um lago artificial com peixes exóticos que passou a constituir um ponto obrigatório de passagem a todos os visitantes pela sua tranquilidade e beleza.

sábado, 20 de março de 2010

Avô-Pá e as "notas"...

Numa altura em que, tanto quanto sei, na Metrópole, nem se falava disso, em Macau, no ensino oficial, todos os meses os Encarregados de Educação (pai ou tutor...) eram informados por escrito, da progressão dos seus educandos.
Assim sendo, todos os meses, uma caderneta escolar lá ia parar a casa, levada pelo aluno (algo quase inconcebível nos dias de hoje...); e falamos de miúdos a partir dos 4 anos!
Vem a propósito que, no final de cada ano lectivo, a caderneta fazia uma pequena viagem; era um ritual que se cumpria com muito prazer. Ir mostrar a caderneta escolar ao Avô-Pá. Não sei qual era o critério, mas de regresso, trazíamos uma moedita (dez avos? vinte avos?), que muito nos fazia felizes.
Não sei como ele o fazia. Um homem que só sabia ler letras de imprensa e mal escrevia o seu nome, tinha lá a sua bitola para premiar os seus netos pelas notas que tinham. E apesar do seu ar severo, havia sempre uma festa na cabeça, uma pequena palavra de encorajamento, normalmente a lembrar que ele não tivera a mesma oportunidade de se instruir. Além da moedita vínhamos a roer uma fatia de maçã daquelas grandes, muito vermelhas e polidas, tipo "Branca de Neve"..., que ele muito gostava e guardava sempre uma ou duas na sua escrivaninha... (uma autêntica arca de segredos que ninguém era autorizado a abrir!)
Agora as criancinhas recebem "segas" e "psp" e outros só por terem positiva num teste...
Foto: Avô-Pá com um dos muitos cães que tinha.


           A minha primeira Caderneta Escolar

sexta-feira, 19 de março de 2010

segunda-feira, 15 de março de 2010

UM MINUTO PELO COLEGA LUÍS

Não gosto de minutos de silêncio. Mas há alturas em que o silêncio grita mais alto que o som.
Proponho que dia 19, sexta-feira, ao meio-dia, cada Professor, esteja onde estiver, em aula, em casa, na rua, na sala dos profs, se cale durante um minuto, deixando que o silêncio GRITE alto a nossa Solidariedade com o nosso Colega Luís.
Os alunos, se for o caso disso, que façam o barulho que quiserem. Nós vamos calar-nos.
Eu vou fazer. Quem alinha?
Sexta-feira, dia 19, meio-dia, UM MINUTO PELO COLEGA LUÍS.
Se estiver de acordo reencaminhe esta mensagem da forma que entender.

Vôs qui nómi?

"O telefona toca.
- ­Hello? Sâm quím?
- Bô-tarde, Gege, por favor.
- Vôs sâm quím?
- António...
- António, quim?
- António Rosário...
- Qual António Rosário?
- António Procópio Menezes da Costa Salvaterra dos Passos Martins do Rosário!!
- Cuza??
- Pofa! “Boi-Preto” mé!
- Ahhh...Vôs! ... Pai tá bom?!
- ...!"

Pela segunda vez consecutiva estou a postar sobre o Patuá de Macau. É uma descoberta que estou a fazer. Avó-Má não o falava, apesar de usar muitas palavras desgarradas e que foram ficando no nosso vocabulário quotidiano. Voltarei a este tema.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Poema em Patuá
Língu di gente antigo di Macau
Lô disparecê tamên. Qui saiám!
Nga dia, mas quanto áno,
Quiança lô priguntá co pai-mai
Qui cuza sä afinal
Dóci papiaçam di Macau?








Tradução para o Português
A língua da gente antiga de Macau
Vai desaparecer também. Que pena!
Um dia daqui a alguns anos
A criança perguntará aos pais
O que é afinal
A "língua doce" de Macau?

sexta-feira, 5 de março de 2010

(Parênteses)

Avó-Má vai-me perdoar este parênteses que vou colocar para reagir a uma notícia que nada tem a ver com este blog, a não ser no sentido de que Avó-Má não gostaria de ter um neto, "Neneto", como me chamava, acrítico, acéfalo, amorfo e incapaz de reagir.
Posso estar a empolar, mas existem dias em que a sensibilidade está muito mais reactiva. Hoje é um deles.
Apanhei numa daquelas notícias tipo "Caras" que o nosso PM se vestia numa loja de Los Angeles, considerada só, a mais cara do mundo. Há dias, comprei, por necessidade, uma sweatshirt polar nos saldos do Torres Shopping por 4,9 euros. Fiquei felicíssimo. É quentinha, usei-a a semana toda.
Não aderi à greve da Função Pública, porque, como Professor, a questão do aumento salarial não faz parte das minhas prioridades.
Ao País é pedido contenção, mais trabalho e produção, mais paciência e resignação para suportar a crise e todo o seu rol de sacrifícios. Enquanto uns auferem reformas de luxo por meia dúzia de anos de trabalho, outros ficam-se pela miséria encapotada e envergonhada; enquanto uns ganham mais que o Presidente dos EUA, outros vêm os seus magros salários congelados, outra vez, mais uns anos.
Progredi na carreira, pela última vez, em 2001. Depois de todos os atropelos ao mais elementar dos direitos à dignidade, foi-me imposto que em 1 de Março, finalmente mudaria de índice de vencimento. Mais uma vez a prepotência fez valer a sua força. Mudarei, sim, talvez... no final do ano lectivo, que é como quem diz, em 1 de Setembro, isto se entretanto não houver outra diarreia mental nos que nos mandam e mudem de ideia. Se chegar a receber os retroactivos nos finais de Setembro, terão passado sete meses. Quem me paga os juros?
Desculpe Avó-Má, mas este Portugal onde vivo já não é aquele que me falava. Os cravos brancos que Avô-Pá plantava no jardim e cujas sementes tinham vindo de cá, depois de mudarem para vermelhos já murcharam há muito. As belas rosas que um dia Isabel de Portugal mostrou ao seu real esposo, são importadas. O partido que as adoptou como símbolo conseguiu fazer deste País, um local onde é difícil viver. Onde esperança é sinónimo de miragem. Nesta quase Primavera meteorológica, as andorinhas deram o lugar aos vampiros.